quinta-feira, 12 de abril de 2012

cansado de tudo



estou cansado de tudo.
decidi estender-me aqui e virar a cara ao mundo.
não posso mais!
o olhar de Ísis acusa-me desde que acordo até que me deito. tortura-me. mata-me.
sou o culpado das desgraças do mundo - assim rezo a um qualquer deus que me queira escutar no silêncio da minha voz. perdoa-me por todos os erros que nesta vida cometi e que, na próxima, se a houver, venha também a cometer.
vivo tresloucado, isolado dos homens, dos amigos que já perdi.
já nem sei se o que sinto é inveja, desprezo ou liberdade.
tirai esses olhos de mim!...
não, malditos! não olheis a miséria que é a vossa.
é a quarta noite que fico ao relento e durmo iluminado pelas estrelas. provavelmente, ela nem sentiu a minha falta tão longe já dormíamos na mesma cama.
melhor assim!...
estou cansado de tudo: da forma descuidada como abria e batia com a porta à chegada após um dia de trabalho, da maneira como logo chamava por mim, como que a medo de olhar para a cozinha e sentir a minha invisível presença - pesada, incómoda, arrastada -, do seu próprio cheiro ou do seu look confiante de quem tem um emprego e trabalha e assim consegue sobreviver-se às agruras do mundo.
é melhor que seja mesmo assim!... mesmo.
quando sai, bem cedo, pela manhã, pode ir aquecer o seu lugar no balcão de estética com menos uma multi-preocupação. à noite, bastar-lhe-á entrar em casa, sossegada, e cozinhar para um, quem sabe para dois, caso decida ocupar o meu lugar à mesa com alguém, ainda que esporadicamente.
nada nem ninguém mais quero ver!...
de nada quero saber.
quero, apenas, que me deixem, em paz, morrer.

imagem: autor desconhecido, encontrada em Sintonia sobre pretexto.

Arvo Part - Cantus in the memory of Benjamin Britten
http://www.youtube.com/watch?v=TRZLxxR23K4&feature=related

1 comentário:

  1. fiquei entre a areia e o chão
    na ponta da onda que vem
    no cais imenso da solidão

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