quinta-feira, 5 de abril de 2012

reticências...

adoro estes três pontinhos!!!:... 

gosto de usar reticências como se de cerejas se tratassem. estas últimas possuem um único defeito: aparecem uma vez por ano e por muito pouco tempo. por agora, meses de maio e junho, elas estão em toda a parte. coloridas, umas róseas outras vermelhíssimas, escuras de sangue coagulado, outras de vermelho vivo, encarnado, carnudas ou nem por isso, redondinhas, glutonas, já não referindo o seu carácter erótico tão ao gosto da língua inglesa. atentem na palavra cherry... no se som, na sua pronúncia. close your eyes and spell it - cherry... uhmmmmm... 

sou capaz de comer cerejas durante um bom par de horas consecutivas sem me cansar. 
e depois... as brincadeiras infantilmente idiotas que nos permitem. rolar os caroços na língua, passá-los de um para outro lado da boca, fazendo-os percorrer todo aquele nosso universo de descoberta do mundo via sabores e sensações, limpar os caroços roendo-os entre os dentes, fazê-los voar cuspindo-os o mais longe possível. recordo-me que quando criança, com o intuito de os projectar ainda mais longe, colocava-os entre o indicador e o polegar deixando-os deslizar, entre os dedos melados, até que os deixava escaparem-se tentando assinalar um novo record a cada lançamento. 
é tão parvo sermos infantis. é tão divertido fazermos de bebés... 
de quando em vez. 

com as reticências acontece-me quase o mesmo; mas estas têm um ponto extra que conseguem marcar a seu favor, ainda que não possuam algumas das vantagens daquele fruto vagamente pecaminoso, não será como a maçã, se bem me entendem e, além do mais, é preciso acreditar nessas teorias, anteriormente descritas. 
as retcências estão sempre, sempre, disponíveis; they're always available. podemos utilizá-las de janeiro a dezembro, cinquenta e duas semanas por ano, vinte e quatro horas por dia, o que é de toda a conveniência. não há necessidade de as armanezar, congelar ou guardar sob a forma de qualquer compota ou enlatado. as reticências prolongam-nos o sabor e o cheiro das palavras, arredondam-lhes os vértices deixando-lhes uma textura menos áspera, mais suave. a dureza das palavras ditas duras, incompleta, é quase como um perdão. 

por isso recordo sempre com imenso prazer Eugénio de Andrade: 

tangerina, tangerina... 

1 comentário:

  1. curioso que tenha falado, conheci bem o filho do médico de Eugénio de Andrade num dos momentos mais importantes de minha vida. se gosta do poeta saiba que ele adorava emoldurar os seus poemas como prendas para os amigos e era de um génio terrível..

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